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Grão de café é retirado do barril após absorver aroma de bebidas destiladas. (Foto: Henry Milléo)

 

Quase em frente ao prédio da Justiça Federal em Curitiba, por onde já passaram todos os investigados pela Operação Lava Jato, há uma porta para um pequeno estabelecimento, que tem ganhado fama por ali, sem necessidade de qualquer investimento em campanha publicitária. Lá dentro, num aconchegante salão, com mesinhas e sofás, ao som de jazz, trabalham três pessoas: dois sócios e uma funcionária – além de máquinas de todos os métodos possíveis de se fazer café. Mas os equipamentos são um mero detalhe. O diferencial da cafeteria é mesmo a diversidade de aromas e sabores das bebidas servidas. Tem café quente e gelado, café com gosto de uísque, cerveja, rum e até tequila. Teor alcoólico zero.

Provar cafés com esses ingredientes exige um paladar refinado, segundo o proprietário, mas surpreendeu até mesmo este repórter, que toma muitas xícaras diariamente e está longe de ter um sistema sensorial de avaliador profissional da bebida. Confesso que nunca tomei tanto café numa manhã. Foram ao menos 12 doses e a maioria caiu muito bem. O “cold brew”, servido em copo baixo, com uma pedra de gelo — o que imediatamente faz ter a sensação de estar virando uma dose de uísque às 10 horas — foi o preferido. Os sabores de uísque e café combinam numa harmonização muito equilibrada. Cada vez mais gente tem buscado essa experiência, tanto na capital mais fria do país como fora.

Na cafeteria Franck’s Ultra, o café pode ser preparado com 12 métodos diferentes. As máquinas ajudam a encorpar, reduzir amargor, acentuar açúcares e a fazer o café expressar ao máximo suas características (Foto: Henry Milléo)

 

Para chegar a esse resultado surpreendente, o barista Marcelo Franck, proprietário da cafeteria Franck’s Ultra Coffee, fez muitos testes, e até a versão final levou um ano de estudo. Um dos “segredos” está na maturação do café verde, realizada dentro de barris de carvalho, antes usados para uísque e cachaça.

O barista coloca os grãos nos compartimentos de duas a seis semanas após serem esvaziados com as bebidas anteriores. O grão precisa ser totalmente livre de impurezas. O que ele usa é o 100% arábica, comprado direto de uma cooperativa de Minas Gerais. São 400 quilos por mês.

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Além de Curitiba, Franck tem vendido o café em lojas de São Paulo, Rio de Janeiro e já tem gringo de olho na invenção. “Dois americanos conheceram meu café, me procuraram e querem abrir uma produção e torrefação, mas ainda estamos negociando. O que mais pega é o custo do frete para mandar o café para lá”, diz o empresário.

O consultor Rafael Kirsten prova um dos cafés “destilados”
(Foto: Henry Milléo)

 

A cafeteria curitibana foi aberta há um ano e meio e as contas começaram a fechar no azul somente seis meses depois da inauguração. Hoje, o movimento diário é de 80 a 100 pessoas e o faturamento varia de R$ 1.500 a R$ 3 mil, segundo Marcelo. Mas cada vez mais gente procura o local para conferir os cafés diferentes elaborados pelo barista. “Não investi em divulgação de propósito. Queria ver se o produto pegava. O melhor marketing é o boca a boca”, diz.

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Uma prova de que o boca a boca funciona veio no momento em que a reportagem estava na cafeteria. O consultor Rafael Kirsten, ao ouvir a história do café durante a entrevista, decidiu experimentar uma das opções: café maturado em barril de uísque e servido numa taça de vinho. Segundo o proprietário da cafeteria, a boca maior da taça permite que o consumidor sinta melhor o aroma da bebida e o olfato é muito importante no conjunto da experiência. “É como se fosse um vinho. É complexo. Não sei se gostei muito”, disse. Em seguida, provou um “cold brew”, aquele gelado em copo de uísque, e o resultado foi outro. “Este eu gostei”, disse Rafael. Quando morou na Europa, o consultor disse que via com frequência portugueses adicionando uma pequena dose de uísque na xícara ao fim de um cafezinho. “É um hábito lá”, afirma.

Marcelo Franck, proprietário da cafeteria
Franck’s Ultra Coffee (Foto: Henry Milléo)

 

O diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Café (Abic), Nathan Herszkowicz, a variedade de sensações, aromas e sabores adicionados aos cafés é uma tendência mundial e que só faz crescer o mercado da bebida. “Os jovens de 19 a 29 anos representam a grande mudança nos hábitos de consumo no Brasil, e esse pessoal não se contenta com o diário, aquele café comum, de filtro. Hoje, ele busca novos sabores, novas experiências. O que está acontecendo com o café é o mesmo que aconteceu com as cervejas artesanais, que, de repente, tiveram um mercado enorme se abrindo e agora ameaçam até as grandes cervejarias”, diz.

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Ainda de acordo com o executivo, boa parte das 1.450 indústrias de café instaladas no Brasil — a maioria de pequeno porte — já se atentou para esse novo momento de consumo e participa de alguma forma da onda de produtos diferenciados ou de alta qualidade.

Esse consumo mais exigente tem grande contribuição no aumento da demanda por café no país, que em 2018 cresceu 5%, atingindo o recorde de 21 milhões de sacas. O consumo per capita nacional foi o maior do mundo, segundo a Abic. Cada brasileiro consumiu, em média, 839 xícaras de café no ano.

Matéria publicada originalmente na edição de abril de 2019 da revista Globo Rural.

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Source: Rural

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