Skip to main content

Ademiro Vian (Foto: Alexandre Battibugli)

 

O especialista em crédito rural e ex-diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Ademiro Vian, acusa o Banco Central de promover o desmonte da política de financiamento agrícola. O consultor, que é presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável do Agronegócio (IBDAgro), calcula que uma somatória de medidas recentes do BC pode gerar perdas de R$ 34 bilhões na oferta de crédito rural.

As novas regras envolvem os recursos dos títulos da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e a redução da elegibilidade do crédito rural nos bancos privados. “O Conselho Monetário Nacional está dando mais liberdade aos bancos para captar a taxas subsidiadas e aplicar a juros de mercado”, disse Ademiro em entrevista à Globo Rural Ele acredita que o acesso mais restrito aos recursos prejudicará, sobretudo, os pequenos e médios produtores rurais.

Aquele dinheiro que estava carimbado, guardado e canalizado com taxas de até 8,5% para o produtor, o Banco Central, sem consultar ninguém, deu uma canetada e desfez"

Autor

Globo Rural  Em relação ao crédito rural, o que mais preocupa hoje o setor?
Ademiro Vian  O que tem preocupado o setor produtivo é uma situação que, neste momento, eu não diria que é desonestidade, mas falta de transparência. O Banco Central se apoderou da política agrícola. Está impondo as regras. Para exemplificar, na última reunião do Conselho Monetário, no dia 31 de janeiro, o Banco Central simplesmente liberou os bancos para aplicar os recursos das LCAs com a taxa que eles quiserem e sem nenhuma obrigatoriedade de aplicar no crédito rural. Ou seja, aquele dinheiro que estava carimbado, guardado e canalizado com taxas de até 8,5% para o produtor, o Banco Central, sem consultar ninguém, deu uma canetada e desfez.

+ Falta regulação nos sistemas alimentares, diz diretor-geral da FAO

GR  Qual é a consequência dessa medida?
Vian  O setor apostou na LCA como uma grande fonte alternativa de recursos. Faz cinco anos, mais ou menos, que os títulos vêm crescendo. A lei que criou a LCA tem o objetivo de fazer com que o sistema produtivo se financie no mercado, tirando a pressão sobre o Tesouro. De que forma? A instituição financeira emite a LCA para investidores e pessoas físicas, com isenção tributária. O dinheiro captado pelo banco deve ser usado no financiamento de operações de crédito rural, o que rendeu um montante de R$ 27,1 bilhões na última safra. O BC simplesmente rasgou esse plano. Agora, de tudo o que captarem, 60% serão aplicados em qualquer segmento e os 40% destinados ao crédito rural serão negociados a taxas livres. Em outras palavras, o Banco Central autorizou os bancos a aplicar a juros de mercado.   

Agora, de tudo o que os bancos captarem, 60% serão aplicados em qualquer segmento e os 40% destinados ao crédito rural serão negociados a taxas livres"

 

GR  Quais outras medidas são prejudiciais ao setor?
Vian  Houve medidas perniciosas. A elegibilidade rural foi reduzida de 34% para 30%. Todos os bancos que operam no mercado brasileiro são obrigados a aplicar parte dos depósitos à vista (o dinheiro corrente) em crédito rural. O BC reduziu em 4% o valor da elegibilidade. O resultado são menos recursos para a agricultura. Os bancos preferem usar os depósitos em outras aplicações, como o cheque especial, que rende mais juros.

 

GR  É possível aumentar a concorrência na concessão de crédito rural, barateando as taxas?
Vian  Nesse modelo de sistema financeiro atual, não é possível. Não tem como fazer essa competição. Não é possível aumentar a competitividade como se imagina. Pelo seguinte motivo: nós temos uma concentração de bancos extremamente grande. Dessa concentração resultam três grandes bancos estatais e outros três privados. Os bancos menores não têm a cultura de aplicar em crédito rural, menos ainda em pessoa física e pequeno e médio produtor. Pode haver um aumento da concorrência entre os grandes aplicadores, bancos estrangeiros, no segmento que não é o de pequenos e médios produtores. Não vejo nenhuma possibilidade nesse modelo, altamente concentrado e de bancos que não têm aptidão para o setor, de o governo reverter a situação.

+ Tereza Cristina diz que negociação sobre o Plano Safra está bem encaminhada

GR  Em relação às fontes de recursos com juros controlados, a tendência é que haja uma retirada de subsídios?
Vian  Os bancos vendem como subsídio o que não é subsídio. O subsídio existe quando se capta o dinheiro na caderneta de poupança com taxa de 6%, pagos ao poupador, e depois se aplica no pequeno agricultor a 2,5%, onde entra o Tesouro pagando a diferença. O pagamento dessa diferença é subsídio. No caso do crédito rural, não existe esse pagamento. Os bancos querem pregar essa ideia, de que há um subsídio cruzado. O subsídio só existe em algumas fatias, para produtores e produtos segmentados, não é genérico. A parcela do Plano Safra que tem juros controlados é o depósito à vista dos bancos, que é da conta corrente dos clientes. Como esse recurso não custa nada, o governo os obriga a depositar 30% em crédito rural, a taxas que variam de 2% a 7,5%.

GR  Quais são outros pontos que o governo está atacando?
Vian  Há muito tempo, o exigível de aplicação no setor rural tinha um piso para bancos que movimentam pelo menos R$ 70 milhões por mês — bancos com esse limite não precisavam aplicar nada no setor. Neste ano, o Banco Central estabeleceu uma medida sorrateira normatizando o piso em R$ 200 milhões. Isso significa que todos os bancos que estavam nessa faixa de R$ 70 milhões a R$ 200 milhões foram isentados de investir no setor. São muitos bilhões de reais retirados do sistema. O somatório dessas mudanças todas que citei é uma redução de R$ 34 bilhões na disponibilidade de crédito rural.

GR  O governo está propondo um desmame do setor, como disse a ministra da Agricultura,Tereza Cristina?
Vian  O que o Banco Central está propondo é uma agenda que eu chamo de BC mais: BC mais bancos. Mais liberdade para eles captarem a taxas subsidiadas, como é o caso da LCA, e aplicarem a taxas de mercado. BC menos crédito para o setor produtivo.

 

GR  Como você avalia a dependência do setor por recursos públicos em comparação com outros países e outros setores?
Vian  É incomparável. Não tem como comparar nosso modelo de financiamento com outros países porque ele não existe em outros países. Nosso modelo é focado em crédito. Em outros países, o foco está na sustentação de preços e seguro. Então são modelos totalmente distintos. O Brasil é um país grande, com uma pluralidade e uma diversificação.        

GR  Na sua visão, como a ação do governo vai impactar o crédito rural?
Vian  O Banco do Brasil já vem mudando sua postura há alguns anos e perdeu bastante mercado no agronegócio. A importância dele, no crédito rural, caiu de 70% para 60%. Mas ele ainda mantém esse tamanho por causa de uma série de privilégios, como a anticoncorrência — o BB opera, por exemplo, com os fundos constitucionais, que os outros bancos não podem operar. Equalização de taxas de juros, ele opera. O produtor que está numa região e que não tem o Banco do Brasil está sujeito a taxas maiores. Então é preciso quebrar esses paradigmas. Deixar que todos os bancos que ofereçam crédito rural possam operar com os mesmos fundings, nas mesmas condições. Isso só é possível com regulamentação do Banco Central, que não demonstra nenhum interesse em fazer essa abertura de mercado.

O produtor que está numa região e que não tem o Banco do Brasil está sujeito a taxas maiores. Então é preciso quebrar esses paradigmas"

 

GR  Em relação ao seguro rural, como você enxerga hoje esse mercado?
Vian   Da forma que está colocado, com subvenção no prêmio, tem uma série de inconvenientes. Primeiro, não tem seriedade nos orçamentos, que são colocados de forma que parece ficção. A cada ano, troca-se o valor da subvenção como se fosse uma troca de roupa. Não é assim que funciona para seguradoras, elas demandam previsibilidade. Enquanto não tiver previsibilidade do que o governo vai fazer, o seguro não se desenvolve. É uma atividade de alto risco e as seguradoras não sobrevivem sem um fundo bem organizado, com regulamentação clara, perenidade, banco de dados e informações. Não se tem isso no Brasil. A legislação precisa ser mais robusta, com clareza, previsibilidade e alocação de recursos. No mercado americano, uma seguradora para poder operar tem de operar no país inteiro. Aqui, a seguradora opera no nicho em que ela quer, vai lá e toma dinheiro de subvenção. Só existe hoje uma quantidade de apólices disponíveis do mercado porque são oferecidas pelo Banco do Brasil, praticamente, como uma venda casada.

Curte o conteúdo da Globo Rural? Ele também está no Globo Mais. Nesse aplicativo você tem acesso a um conteúdo exclusivo e às edições das melhores publicações do Brasil. Cadastre-se agora e experimente 30 dias grátis.

 
Source: Rural

Leave a Reply