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Lama atinge pés de alface em Brumadinho.  (Foto: Lalo de Almeida/Ed.Globo)

 

“Você não conhecia o que era antes isso aqui. Coisa mais linda de se ver”. As plantações irrigadas de hortaliças ficarão apenas na memória de Antônio Francisco de Assis, o Seo Tonico da Horta, como é conhecido. Desde o dia 25 de janeiro, o que ele vê é o rio de lama que acabou com sua lavoura, no Parque da Cachoeira, na área rural de Brumadinho (MG).

Há 18 anos, ele produzia no local. Os rejeitos da barragem da Vale que se rompeu na última sexta-feira cobriram plantações de alface, agrião, espinafre, manjericão. O galpão com equipamentos para beneficiar e carregar dois caminhões de hortaliças que despachava por dia foi tomado pelo lamaçal.

+ Mais imagens da zona rural afetada por lama da barragem de Brumadinho

Na parte que não foi atingida, plantações de jiló, brócolis, acelga e tomilho também se perderão. Sem água. As bombas que faziam a captação para abastecer os aspersores de irrigação foram soterradas no córrego que servia de manancial para a propriedade. “Tudo perdido. Aqui não se produz mais nada. Não tenho como trabalhar”, lamenta, emocionado.

Quem estava no sítio na hora do desastre era a filha, Adriana. “Quando eu vi, só juntei o que eu tinha e saí correndo. Entrei em pânico. Ninguém se machucou porque conseguimos correr. É desesperador”, conta.

Seo Tonico ainda não fez as contas do prejuízo que sofreu. Sabe apenas que sua perda é a de outras nove famílias com quem trabalhava. Ele oferecia parte da terra, insumos, equipamentos e irrigação. Depois da colheita e da cobertura dos custos, o resultado das vendas eram divididos entre ele e seu parceiros. “Agora não tenho mais condições de oferecer nada para eles”, lamenta o agricultor.

José Salvador teve parte do sítio de sete hectares coberta pela lama (Foto: Lalo de Almeida)

 

O que conseguiu fazer foi abrir as portas do sítio para outros que também perderam as plantações que garantiam a renda da família. Eles se reuniram, neste domingo (27/1) com representantes da Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg) para discutir a contabilização dos prejuízos e como irão reivindicar reparação pelos danos. Compartilharam como vem passando pela tragédia e reiteraram críticas à Vale, de quem cobram responsabilização pelo ocorrido.

O grupo de produtores reúne cerca de 20 famílias prejudicadas. Todas são de agricultores familiares com terras próprias ou arrendadas. E decidiu formar um comitê para verificar o que foi perdido: área, plantações, equipamentos, benfeitorias das propriedades.

A Fetaemg se comprometeu a enviar técnicos e advogados. O presidente, Vilson Luiz da Silva, afirmou que pretende, nesta segunda-feira (28/1), fazer contato com o governo de Minas e com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) local. “A horticultura daqui abastece Belo Horizonte e região. Muitos sacolões da capital vão sofrer com isso”, diz ele.

Deputado federal eleito pelo PSB mineiro, Vilson disse ainda que vai reunir uma bancada parlamentar, em Brasília (DF), na terça-feira (29/1), e propor que os agricultores sejam perdoados das dívidas com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). “O governo perdoa os produtores e faz a Vale pagar.”

Contando o Pronaf e outros financiamentos, Ronaldo Gomes estima dever em torno de R$ 60 mil. “Eu era um empresário. Agora não tenho nada. Acabou.” No sítio, perdeu verduras, máquinas, algumas cabeças de gado e, por pouco, não perdeu o mais novo de seus três filhos na tragédia. “Na hora, ele estava mais longe da gente e apareceu a lama. Começamos a correr, mas ele não conseguiu. Felizmente, ele se salvou. Está no hospital, com vida”, conta.

Antônio Francisco de Assis, o Seo Tonico da Horta (Foto: Lalo de Almeida)

 

José Salvador olha para o estrago e ainda custa a acreditar no que aconteceu. “Tudo isso aqui era horta”, diz, apontando para a parte do sítio de sete hectares coberta pela lama. Alface, almeirão, brócolis, rúcula irrigados por aspersão, eram produzidos por ele no lugar há pelo menos 12 anos.

Tocada por ele, a esposa e os dois filhos, a propriedade tinha reserva ambiental protocolada. Seo Salvador, como é conhecido, conta que, quando viu os rejeitos, preparava uma plantadeira para semear um talhão de milho. Foi o tempo de largar o que fazia, subir na caminhonete e deixar tudo para trás.

Sobraram parte da área preparada para o plantio; uma estufa com mudas em produção, que tentará vender; e um talhão de alface em crescimento. Fora do padrão de mercado, mas, segundo ele, bom para consumo e disponível para quem quiser comprar. Sem irrigação, tudo se perderá em dias.

“Era nosso sustento. Encontrar outra área boa assim fica difícil”, lamenta o agricultor, que calcula ter um débito em torno de R$ 26 mil com o Pronaf. “Não tenho como pagar.” Resta saber se vai sobrar verdura. Alguns curiosos que entravam no sítio para ver a lama não saíam sem levar um “souvenir”.

Em uma mata próxima do sítio, o corpo de mais uma vítima foi resgatado. No domingo, a contagem oficial chegou a 58 mortos e 305 desaparecidos na tragédia de Brumadinho.
Source: Rural

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