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Arroz orgânico dos assentados no Rio Grande do Sul (Foto: Marcelo Curia/Ed. Globo)

 

Filhos de agricultores, Nilvo Bosa, Ailton Luiz Rubenich e Marildo Molinari moraram por muitos anos em acampamentos, fizeram caminhadas, protestos e até greve de fome para conquistar um lote de terra. Hoje, eles fazem parte dos grupos de famílias ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que foram assentadas pelo governo federal em 16 municípios gaúchos, onde produzem a maior safra de arroz orgânico da América Latina. Juntas, associadas em cooperativas, as 501 famílias colheram na última safra 24.000 toneladas do cereal, que é comercializado com a marca Terra Livre. O reconhecimento como maior produtor foi conferido ao MST pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Sul responde por cerca de 8,3 milhões de toneladas dos 11,7 milhões de toneladas de arroz produzidas neste ano no Brasil. A entidade não diferencia o arroz orgânico do convencional. A área plantada no Estado sulino alcança 1,1 milhão de hectares, com produtividade média de 154 sacas de 50 quilos por hectare. Pelos dados do Irga, o plantio de orgânico no Estado ocupa 6.000 hectares, sendo 4.600 em assentamentos do MST. A produtividade média é de 100 sacas por hectare e o custo de produção é a metade na comparação com o cultivo que usa agroquímicos.

Marildo, mais conhecido como Tubiano, veio das roças de milho e soja do Paraná. Atualmente, planta 70 hectares de arroz orgânico e coordena o grupo de produção do cereal no assentamento Integração Gaúcha, instalado há 26 anos em Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre. Ele conta que, no início, as famílias não sabiam nada sobre o plantio de arroz e sofreram muitas perdas com enchentes.

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Nilvo, além de plantar arroz coletivamente com mais 29 famílias no assentamento Capela, dirige a Coopan (Cooperativa de Produção Agropecuária), em Nova Santa Rita, que abriga uma agroindústria do MST para beneficiamento do arroz 100% orgânico. “Aqui a gente produz, seca, armazena, beneficia e vende.”

Ailton, também do assentamento Capela, veio de Sarandi, onde o MST montou, há 33 anos, na Fazenda Annoni, o maior acampamento de sua história. Ele diz por que o grupo optou pelo plantio de arroz orgânico depois de algumas safras frustradas de arroz convencional: “A gente queria produzir sem nos contaminar com os defensivos e também plantar alimentos mais saudáveis para nossa família e outros consumidores”.

Armazém da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita

 

Beneficiamento de arroz orgânico no Assentamento Capela 

 

Todos os agricultores que produzem arroz orgânico se reúnem em grupos gestores para discutir questões de plantio, colheita, beneficiamento e para estabelecer a política de preços. Segundo Emerson Giacomelli, coordenador do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico do MST, o maior volume (cerca de 60%) é comprado pelo governo federal para a merenda escolar e para a formação de estoques públicos de alimentos.

Outra parte do Terra Livre vai para feiras e lojas de produtos orgânicos, restaurantes e alguns supermercados. O MST também vende o arroz para indústrias de orgânicos que embalam o grão com suas marcas próprias. Uma pequena parte é exportada para Venezuela e Uruguai e uma parceria com uma empresa de Santa Maria (RS) leva o produto também para os EUA, que detêm 46% do mercado mundial de orgânicos, segundo dados divulgados na Biofach 2018, feira de orgânicos realizada em Nuremberg, Alemanha.

A dependência dos programas do governo, que diminuíram suas compras nos últimos anos, incomoda. “Estamos trabalhando para buscar novos mercados. Além de restaurantes, supermercados e feiras, negociamos atualmente com o Exército, universidades e hospitais”, diz Emerson.

Everaldo Balbinot, coordenador da agroindústria da cooperativa, acompanha a secagem do arroz 

 

PERDA DE ÁREA

Na safra atual, que começou a ser plantada em outubro e será colhida a partir de maio, a previsão é de queda na produção de 10% a 15%. No assentamento de Viamão, que tem a maior área plantada, o plantio vai recuar de 1.600 para 1.000 hectares. Isso porque o preço do arroz caiu neste ano, deixando os produtores descapitalizados para a compra de insumos.

Cerca de 60% das sementes são produzidas nos próprios assentamentos. O plantio é do tipo irrigado por inundação, como a maior parte dos cultivos de arroz no Estado. Cada etapa do processo de produção é certificada. Uma das marcas certificadoras é o Instituto Mercadológico de Orgânicos (IMO), com sede na Suíça, que faz auditoria anual em 10% das propriedades. O arroz é beneficiado em quatro agroindústrias, duas delas de cooperativas ligadas ao MST.

Nilvo Bosa, presidente da cooperativa e aguador das lavouras, confere o nível das taipas para o plantio 

 

Emerson conta que está sendo fechado um contrato para a construção de uma agroindústria em Eldorado do Sul que vai tornar o MST autossuficiente no beneficiamento. O financiamento de R$ 20 milhões, sendo R$ 14 milhões para a agroindústria e R$ 6 milhões para capital de giro, virá da Fundação Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Na opinião de André Oliveira, engenheiro agrônomo do Irga, o MST precisa diminuir a dependência dos programas federais e investir mais na identidade do seu arroz para ganhar mercado.

Segundo ele, a opção pelo plantio de orgânicos nos assentamentos teve a influência de dois pioneiros no Estado: João Batista Volkmann, que produz arroz biodinâmico, e Juarez Pereira, guardião de sementes e produtor de 28 variedades de arroz em 35 hectares.

Ailton Luiz Rubenich, aguador das lavouras, trabalha no preparo das taipas para o plantio 

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Source: Rural

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