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Jamie Morrison, economista e líder do Programa Estratégico para Sistemas Alimentares da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) (Foto: Marcelo Curia)

 

Jamie Morrison, líder mundial da FAO, relata que, enquanto 821 milhões de habitantes passam fome no mundo, outros 2 bilhões têm sobrepeso ou obesidade. Diz ainda que os sistemas alimentares mundiais não são sustentáveis e precisam mudar para uma dieta mais sadia.

Ele afirmou que um estudo recente da FAO mostrou que a fome no mundo aumentou nos últimos três anos. Dos milhares de pessoas que passam fome no planeta, 5,2 milhões são brasileiros.

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Morisson conversou com Globo Rural em meados de setembro, em Porto Alegre, quando participava da 3ª Conferência Internacional de Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada.

Ele foi um dos principais palestrantes do evento, que se propôs a discutir uma nova agenda. Na opinião do líder da FAO, não há soluções mágicas para reverter esse cenário, mas é preciso haver mudanças nos sistemas alimentares, o que inclui o menor uso de agroquímicos.

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GLOBO RURAL  Por que depois de tantos anos a fome volta a crescer no mundo? Quais desafios estão na mesa?
Jamie Morrison  A fome teve uma queda significativa nas últimas duas décadas, mas, infelizmente, houve uma reversão disso nos últimos anos. E hoje a preocupação é dupla, porque há o problema da subnutrição e o aumento do sobrepeso e da obesidade, principalmente em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Relatório da FAO aponta que 821 milhões de pessoas passaram fome no mundo em 2017 e um terço da população já está sofrendo com sobrepeso ou obesidade. Isso significa 2 bilhões de pessoas, número que tende a subir para 3 bilhões em poucos anos.

GR  Como reverter a subnutrição, o sobrepeso e a obesidade no mundo?
Morrison  Não há soluções mágicas. Primeiro, o foco estava na agricultura. Hoje, o foco é tanto a agricultura quanto a alimentação. Não é mais simplesmente produzir alimentos, e sim produzir alimentos melhores. O fato é que os sistemas alimentares não evoluíram para entregar uma dieta saudável. A questão é como ter acesso a alimentos saudáveis, e isso é um problema principalmente para as populações mais pobres. Também é uma das causas da obesidade, que está crescendo muito também nos países ricos. Cada país tem de buscar soluções de acordo com seu contexto.

GR  Na conferência, houve um consenso entre os palestrantes de que é preciso mudar o atual sistema alimentar. O senhor concorda?
Morrison  Sim. O atual sistema de produção de alimentos no mundo não é sustentável. Mudanças têm de acontecer. Na conferência, pude conhecer alguns sistemas diferentes que estão ganhando espaço no Brasil, como a agricultura familiar e ecológica e as políticas públicas de compra de alimentos dos pequenos produtores. É um modelo que está começando a ser seguido em outros países. Agora, a tarefa é aumentar o impacto de políticas públicas como essa e levar para um nível global.

GR  Qual o papel do setor privado nessas mudanças?
Morrison  Tendemos a pensar sempre em setor privado como sinônimo de grandes empresas, mas é preciso lembrar que agricultura familiar e campesinos também estão incluídos no setor privado. Mas, no caso da agricultura de larga escala, os focos são a redução de custos da alimentação e a industrialização cada vez maior. Isso está diretamente relacionado à obesidade e à baixa qualidade dos alimentos. É preciso que os setores públicos e privados se aproximem para mudar esse modelo. O papel do setor público é incentivar o privado a investir mais em produções locais e ambientalmente sustentáveis, como as da agricultura familiar. Sentimos que o setor privado quer mudar, mas precisa de garantias para isso.

No Reino Unido, muita gente está empregada no comércio e varejo pós-produção agrícola

GR  Qual a importância dos sistemas alimentares na geração de empregos, especialmente nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento?
Morrison  Quando se fala em sistemas alimentares, fala-se em agricultura, mas também no pós-produção, que inclui indústria, transporte, comércio, toda uma cadeia. No caso específico da agricultura, temos o problema de os jovens não quererem mais trabalhar no campo. O êxodo rural é enorme. Mas é preciso lembrar que também há empregos depois da agricultura, e isso pode ser um atrativo para manter os jovens nesses ambientes, trabalhando, por exemplo, em agroindústrias que não precisam estar necessariamente na zona urbana. Nos países desenvolvidos, os sistemas alimentares já são grandes empregadores. No Reino Unido, por exemplo, apenas 2% trabalham na agricultura, mas muita gente está empregada no comércio e varejo pós-produção agrícola.

GR  O Brasil recebe apoio financeiro internacional para frear o desmatamento da Amazônia. Esses incentivos têm apoio da FAO?
Morrison  Esse financiamento é aceitável desde que os países tenham um acordo claro sobre as responsabilidades de cada um. Há diretrizes para nortear que tipo de financiamento os paísem devem dar e receber. Muitos países, especialmente os mais pobres, contam com esses financiamentos internacionais para desenvolver sua agricultura.

GR   Como o uso de agroquímicos impacta as metas de segurança alimentar?
Morrison  O uso responsável de agroquímicos é importante, e essa tecnologia é um dos fatores do avanço da produção de alimentos. Mas fertilizantes e defensivos, e também antibióticos, estão sendo usados em excesso. Isso tem reflexos na saúde humana e também na saúde animal, com aumento da resistência a antibióticos, vírus e bactérias. No futuro, isso vai ser um problema sério. Organismos internacionais como a FAO devem dar diretrizes sobre o uso responsável de agroquímicos e antibióticos e desencorajar o sobreuso.

GR  De que forma movimentos como o slow food podem auxiliar na segurança alimentar e no desenvolvimento sustentável?
Morrison  Esses movimentos criam uma consciência nos consumidores tanto sobre a produção como quanto ao uso dos alimentos. São pequenos, mas possuem um grande impacto.  O slow food já causa impactos também em países onde a comida não é tão importante. É o caso do Reino Unido, onde essa conscientização já leva parte da população a preferir comprar alimentos de produtores próximos.

No curto prazo, não dá para saber, mas, a longo prazo, ninguém ganha com a guerra comercial entre EUA e China

GR  Quem vai alimentar o mundo em 2050, quando a população deve passar de 9,8 bilhões de pessoas?
Morrison  Nós esperamos que sejam os agricultores familiares (risos). Bom, até lá vai haver grandes mudanças na forma como ocorre o comércio de alimentos e de outros produtos agrícolas no mundo pelo crescimento da urbanização. Muitas vezes, é mais fácil para uma cidade importar alimentos do que comprar localmente. Outro problema que se coloca são as mudanças climáticas. Haverá um aumento populacional em regiões que vão sentir um impacto maior das mudanças climáticas, como é o caso da África. Isso significa que esses países vão depender ainda mais da importação de alimentos. É preciso trabalhar na resiliência dos sistemas alimentares, pensar uma agricultura que seja mais eficiente e eficaz nesse ambiente. Não significa que esses países não serão capazes de se alimentar, mas que os investimentos e estudos têm de ser feitos nessa área.

GR  FAO e OMS vão fazer um simpósio conjunto em 2019. Qual é objetivo de unir as duas organizações internacionais?
Morrison   A governança global está desconectada atualmente. Pensa-se no comércio sem se pensar nas mudanças climáticas. Pensa-se em produção sem se pensar na obesidade. A OMS pensa em obesidade. A FAO foca na produção agrícola. A intenção é que elas passem a trabalhar de forma integrada. Vai haver alguns painéis bem interessantes: “Como pensar em comércio e segurança de alimentos” e “Como fazer um comércio internacional mais justo, permitindo que todos participem, mas garantindo que esses alimentos sejam mais saudáveis”.

GR  Como a guerra comercial EUA versus China impacta a segurança alimentar e o desenvolvimento sustentável? O Brasil podem se beneficiar dessa disputa?
Morrison  Do ponto de vista econômico, essa disputa pode beneficiar um terceiro país, como o Brasil. A China pode passar a importar mais soja do Brasil, por exemplo. Mas isso é uma teoria, já que numa guerra comercial os dois países sofrem, e isso pode causar a queda das importações também de outros países. No curto prazo, não dá para saber quem se beneficia, mas a verdade é que, a longo prazo, ninguém ganha com isso.

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Source: Rural

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