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Indústria de carne de frango. Pelo menos 40% do produto exportado pelo Brasil vão para os países árabes, de acordo com a MB Agro (Foto: Fabisno Accorsi/Ed. Globo)

 

A eventual transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém já está se tornando o novo “vai-não-vai” do presidente eleito Jair Bolsonaro. A ideia manifestada dias atrás pelo Twitter rendeu acenos positivos do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Mas “a decisão ainda não está tomada”, disse Bolsonaro, na terça-feira (6/11).

Se confirmada, será uma mudança que vai além da política. Reconhecer Jerusalém como capital do Estado de Israel pode influenciar relações econômicas, especialmente com os árabes. O governo do Egito, por exemplo, cancelou encontro com uma missão empresarial brasileira, atitude até certo ponto vista como sinal de uma reação negativa do mundo árabe ao posicionamento do presidente eleito do Brasil, antes mesmo de sua posse.

“Em conjunto, os países árabes são um mercado forte. Isso pode criar um ruído e as empresas sofrerem pressão dos importadores, o que afetaria os negócios. Mas como Bolsonaro tem falado e voltado atrás em alguns temas, fica um pouco difícil avaliar”, diz Cesar de Castro Alves, analista da MB Agro.

Especialista no mercado de carnes, Alves pontua que os países árabes respondem por 40% das exportações brasileiras de frango e 35% dos embarques do produto bovino. E lembra que existem empresas com subsidiárias nesse mercado e que podem ter operações afetadas por um eventual movimento diplomático.

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A Câmara de Comércio Árabe Brasileira (CCAB) acompanha essa história com preocupação. Para a entidade, que visa promover as relações comerciais entre o empresariado brasileiro e os países da Liga Árabe, seria mais um “ruído”. Assim como foi a Operação Carne Fraca, que investigou suspeitas de irregularidades nas inspeção sanitária de frigoríficos.

“O Brasil tem uma boa relação comercial com os países árabes e tem potencial de crescimento. Mas é importante que não haja ruídos”, avalia Rubens Hannun, presidente da Câmara Árabe.

O mercado árabe é o quinto maior para as exportações brasileiras, de acordo com dados compilados pela entidade a partir das estatísticas do governo. De janeiro a setembro deste ano, foram US$ 8,21 bilhões. O agronegócio tem ampla representatividade nesses números. Os embarques de produtos do setor somaram US$ 5,87 bilhões no período, 71,49% do total.

O grupo dos países que compõem a Liga Árabe fica atrás apenas da China como destino dos produtos da agropecuária brasileira. Além das carnes, destacam-se na pauta de exportações açúcar e cereais. E o mercado halal – segundo as regras da religião muçulmana, que tem cerca de 1,8 bilhão de adeptos em todo o mundo e é majoritária nos países árabes – tem no Brasil um importante fornecedor global.

Em todo o ano de 2017, o agro brasileiro vendeu para os árabes o equivalente a US$ 9,97 bilhões, considerando só alimentos. Se o gado vivo entrar na conta, a soma chega a US$ 10,1 bilhões, de acordo com a entidade. As exportações totais do Brasil para a região foram de US$ 13,6 bilhões.

A Câmara Árabe acredita que, até 2022, essas exportações podem chegar a US$ 20 bilhões. Mantida a mesma participação dos nove primeiros meses deste ano, o agronegócio contribuiria com US$ 14,2 bilhões em faturamento para o lado brasileiro. Do lado dos árabes, haveria interesse em investir, especialmente, em infraestrutura, o que beneficiaria o setor rural, diz o presidente da CCAB.

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Segundo Rubens Hannun, a entidade tem um estudo pronto para apresentar à equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro, que mostra as oportunidades dos dois lados do balcão. A expectativa, de forma geral, é positiva em relação ao novo governo. Mas os sinais dados sobre a política externa trazem uma incerteza da qual ainda não é possível medir o real efeito sobre a relação com os árabes.

“É difícil afirmar. O equilíbrio sempre foi um diferencial competitivo do Brasil. No momento em que se mexe nesse equilíbrio, não é possível traçar um cenário. No mínimo, é um ruído, que pode abrir espaço para uma concorrência que, se não for ocupado agora, pode ser no longo prazo. Mais do que o comércio, pode perder o potencial de crescimento, que é imenso”, pontua o executivo.

Na hipótese de uma retaliação comercial dos árabes à movimentação diplomática do Brasil com Israel, segmentos como a carne de frango poderiam perder ao menos parte da demanda para países como Turquia e Estados Unidos, avalia a CCAB. Na carne bovina, o mercado poderia ir para Austrália, Argentina e Uruguai. E, no açúcar, para Índia e Tailândia.

“É possível diversificar, mas há poucos fornecedores nos mesmos volumes do Brasil. No longo prazo, a situação pode se amenizar, mas no curto prazo isso pode criar um problema de grande impacto”, pondera Cesar Alves da MB Agro.

Mais comércio

A Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria (Cambici) avalia como positiva essa aproximação maior sinalizada via internet por Bolsonaro e Netanyahu. A mudança do local da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém é algo secundário, acredita Jayme Blay, presidente da entidade que visa promover a integração entre os empresariado brasileiro e israelense.

“É irrelevante. O importante é deixar a relação correr. Os negócios não param e os empresários são pragmáticos. Deixam a política falar o que quiser e, quando querem um bom negócio, vão atrás”, analisa.

A balança comercial é amplamente favorável ao lado israelense. Em 2017, o Brasil importou o equivalente a US$ 885,29 milhões, de acordo com dados do governo brasileiro. Neste ano, só entre janeiro e outubro, o valor está em US$ 917,05 milhões.

As exportações somaram US$ 466 milhões em todo o ano passado e US$ 269,64 milhões nos dez primeiros meses deste ano. Nos embarques, o agronegócio também é destaque. Em 2017, foram US$ 328,21 milhões (82,02% do total) e nos dez primeiros meses deste ano US$ 190,85 milhões (70,77% do total). Entre os destaques, estão soja, açúcar, carnes e café.

Estufas em Hatzeva (Israel). Tecnologia israelense pode aumentar produtividade do agro brasileiro, avalia representante da Câmara Brasil-Israel (Foto: Agritech/Divulgação)

“Se olharmos só pela balança comercial, enveredamos por um caminho errado”, acredita Blay. “Há muito tempo Israel colabora com o agronegócio brasileiro de forma muito intensa com tecnologias que permitem ao setor dar um salto no faturamento”, acrescenta o executivo.

Segundo ele, cerca de 200 empresas israelenses operam no mercado brasileiro, “boa parte” voltada para o agronegócio. Há exemplos de companhias atuando em setores como irrigação e defesa vegetal. E existem oportunidades também em equipamentos como drones e outras tecnologias, através das quais, afirma, o Brasil pode produzir mais e ganhar mercados.

“Estamos trabalhando para Israel comprar cada vez mais do Brasil e o agronegócio é uma fronteira permanente. E com a tecnologia de Israel, o Brasil poderia produzir mais e exportar também para outros países, ganhando mercado”, avalia o presidente da Cambici.

No plano de governo apresentado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jair Bolsonaro faz diversas menções positivas a Israel, especialmente na área de ciência e tecnologia. E avalia ser possível implantar esse conhecimento na agricultura. Já depois da eleição, no Twitter, o presidente eleito sinalizou que os laços de amizade devem resultar em acordos bilaterais.

“É preciso mais agressividade, mais incentivo para o exportador brasileiro olhar para Israel, que tem poder aquisitivo muito alto. E Israel tem muito a oferecer, já está oferecendo. Considero importantíssimo que a nova administração impulsione esse relacionamento comercial”, avalia Jayme Blay.

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Source: Rural

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