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Pastel de feira ou de boteco: qual dos dois é mais gostoso de comer? (Foto: Pixabay/LeticiaBucker/Creative Commons)

 

Comida de rua quando consumida dentro de casa ou no restaurante muda de gosto e de nome. O lugar é o mais importante. Na praia, num beco de uma cidade desconhecida, o coração se enche de alegria porque você teve um desejo naquela hora e alguém o satisfez, na sua frente. Você viu a comida, sentiu o cheiro, observou quem a fazia, como se fosse um homem primitivo de posse de sua caça.

Come-se ali mesmo, na hora, gostoso.

Comida às vezes até um pouco perigosa, será que está fresca debaixo desse sol? Pode ser perigosa, mas raramente mata. Morrer de pastel de feira. Muito difícil. A sensação é tão boa, aquele vento, a descontração, o cuidado com o guardanapo de papel para não sujar a blusa ou a camisa. O mesmo pastel, em casa, na louça da avó, fica estranho e sem proporção. Na mesa do restaurante fino, pior ainda. Grande e mal acabado, com gosto de gordura, é possível que volte para a cozinha. Desaforo, paga-se o olho da cara para termos um pastelão desses.

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E a banana real que os meninos levavam cedo em Itapoã para te vender e depois com o dinheiro no bolso, felizes, subiam no coqueiro, lá no alto, entre risadas e gritos finos. No dia em que a avó competitiva fez o pastel em casa, antes das crianças chegarem, foi um pastel triste, mesmo que cheio de açúcar e canela.

O mesmo com o acarajé, a gordura borbulhando, a boca vai até se enchendo de água, já pensamos no recheio, que a baiana capriche, tão bonita, ali, com sua bata de renda.

Um saco de pipoca bem feio, daqueles de carrinho em frente do cinema, não é mais pipoca que o comprado no shopping? É, sim. A mão do pipoqueiro, forte, é a mesma que montou o carrinho de manhã, que fez a pipoca e devolve o troco, unhas maltratadas. E o calor inconfundível de um carrinho velho, meio desconjuntado, junto ao seu corpo, estalando o milho, se transformando, só para você naquela hora mágica de antes do  filme prometido.

Ultimamente não se vê muito aquele vendedor de beijus, com uma matraca e uma roda da sorte. Você comprava o saquinho dos beijus e dava uma volta na roda dos números. Se ganhasse, não pagava. De onde vinha essa ideia, da matraca, do sorteio, dos homens, sempre homens, feios, mal vestidos e tristes que comandavam o espetáculo? Nunca descobri. Agora foi-se a sorte e os beijus são vendidos nos sinais, crocantes, dentro de um plástico, um profundo sabor de infância grudado nas gengivas, no céu da boca.

E o carrinho bem brasileiro de beijus e seus acompanhamentos, e o milho assado e a pamonha, o curau no copo de plástico. O alto-falante da pamonha é outro que tenta. A pamonha em si desmancha o sonho, é pesada e ruim. E todos cansados de saber, e compramos assim mesmo, como que encantados pela sereia.

Em São Paulo, na Rua Augusta, havia a mulher que vendia maçãs e uvas carameladas. Era a melhor uva que jamais se provou.

Falem a verdade. Tem graça um churro no prato, no café da manhã? Nem pensar, a graça toda perdida.

Um dia tive a ideia de um carrinho de frutas secas, de nozes, amêndoas, amendoins, todas frescas, umas doces, outras salgadas, vendidas em cones de papel colorido. Já estava quase escolhendo a cor de cada noz, quando vi que alguém tinha passado na frente, roubado a minha ideia e o mundo todo cheirava doce, enjoado. Nunca experimentei, acho que por despeito.

Com certeza, as crianças de hoje vão ter muitas lembranças de comida de rua pela moda dos food trucks, vão se lembrar de sanduíches, comidas veganas, macarrões ao luar. É bom.

Nina Horta é cozinheira, escritora e propietária do bufê Ginger. É autora dos livros Não É Sopa (uma mistura de crônicas e receitas) e Vamos Comer. Este artigo foi publicado originalmente em junho de 2018, na edição nº 392 da Revista Globo Rural.

 
Source: Rural

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